quinta-feira, dezembro 08, 2011

Cristãos hermeticamente fechados



Nos meus áureos tempos de Jocum, eu encontrava missionários que se especializavam em evangelizar um tipo específico de pessoa. Eu nunca desenvolvi muito bem isso, meu trabalho por lá era ou com teatro ou como interprete das equipes que vinham de fora. Depois passou para atendimento à saúde. Só quando uma ou outra testemunha de Jeová incauta era encontrada dando sopa por aí que me era dado o privilégio de focar nesse tipo de evangelismo. Mas isso era raro comigo, mas muito comuns entre outros.
Tínhamos especialistas em evangelizar cowboys, prostitutas, moradores de rua, chineses e muitos outros grupos. Eu conheci uma moça que se focava em ministério com judeus. Ela tinha passado um tempo em uma base nos Estados Unidos, acho que em Montana, sei lá e comprou a visão da base de evangelizar judeus. Apesar de achar que parte do foco desse ministério que ela estava propagando tinha um pouco do movimento judaizante da igreja, até um certo ponto eu era simpático à idéia por ser descendente de judeus, apesar de nunca ter praticado o judaísmo (com uma ou outra tradição familiar que vem mais dos marranos do que do judaísmo em si). Como eu sabia que ela gostava de evangelizar judeus, resolvi emprestar um livro que tenho intitulado “Um rabino conversa com Jesus”, de Jacob Neusner. Ela ficou feliz quando pegou o livro emprestado. Infelizmente, essa felicidade se transformou em indignação quando ela me devolveu alguns dias depois.

A minha colega missionária ficou muito brava comigo porque eu emprestei um livro não cristão que defendia o judaísmo em detrimento ao cristianismo. Ela achava que o autor era um tipo de judeu messiânico. Ela nem mesmo terminou de ler o livro.
Eu fiquei surpreso com essa reação e perguntei por que ela não não terminou de ler? Se ela planejava trabalhar com o evangelismo de judeus, achei que esse livro ajudaria muito a entender como um rabino pensa em relação ao cristianismo, ajudaria a entender os argumentos que eles apresentam para não aceitar Jesus Cristo como o Messias prometido. Essa é a premissa desse livro. Um rabino analisa o Sermão da Montanha pelos olhos do judaísmo e mostra quais pontos discorda e o porque. É uma ótima forma de ver a opinião de alguém que está “do outro lado”, por assim dizer.
Mas nem todo mundo achou a idéia interessante. Minha colega disse que ela não lia textos de outras religiões, apenas textos escritos por cristãos sobre outras religiões. Ela jamais leria um texto de um rabino que criticasse o cristianismo porque tinha medo que isso pudesse trazer algum tipo de dúvida sobre a veracidade da nossa fé. Estupefato, eu me desculpei pelo engano e nunca mais voltei no assunto.
Hoje, uns bons anos depois, me peguei lembrando dessa história e como isso nunca fez sentido para mim. Eu sempre li livros de outras religiões. Tenho vários deles em casa. Tenho uma boa biblioteca com os livros da Torre de Vigia, alguns raros e já li todos. Tenho livro de ateus, como Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Tenho uma Bíblia católica, o Livro de Mórmon, mais alguns livros dos presidentes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos dias. Tenho o Alcorão e livros de diversas religiões espalhados pela casa. Eu sempre entendi que, se eu tenho interesse em pregar o evangelho para essas pessoas, eu preciso não somente entender quais são as crenças desses grupos mas também devo entender um pouco mais da forma como eles entendem o mundo e como apresentam os seus argumentos. Mais ainda, eu acredito que devo dar a chance para que a pessoa apresente o seu caso, apresente os seus argumentos. Preferencialmente, sem a sanitarização que acontece quando lemos sobre outras religiões em livros cristãos sobre essas religiões.
Não me entendam mal. Eu amo livros sobre apologética, especialmente esses mais práticos sobre religiões. Tenho duas dúzias deles, pelo menos. Além de vários artigos e textos nos computadores. Aprendi muito sobre essas religiões através desses livros, assim como muito sobre nossa própria fé, mas ainda assim, esses livros apresentam um ambiente estéril e seguro para o cristão aprender. Infelizmente, quando passamos para a conversa no um a um, a coisa é diferente. E por não estarmos expostos realmente aos verdadeiros argumentos apresentado por membros de outros religiões, dificilmente conseguiremos apresentar o cristianismo bíblico como verdade. Eu conheço muita gente que já leu muito sobre as testemunhas de Jeová, mas dificilmente conseguiriam se manter firme em uma conversa se encontrasse com alguma, pois só está acostumada com o ambiente seguro e protegido dos livros cristãos.
Eu sei que essa prática de ler livros e outras religiões não é para todos, mas acredito que pelo menos dar a oportunidade para que outras pessoas apresentem seus argumentos seja para todos, especialmente para aqueles que desejam focar em um grupo específico para evangelizar.
Mas o grande problema nessa questão toda me parece estar relacionado ao quão pouco nós cristãos conhecemos da nossa própria fé. Poucos de nós tem uma bagagem teológica bem fundamentada e robusta que permite que sejamos expostos à outras visões de mundo. Quando a igreja evangélica abandonou o ensino da Bíblia de forma expositiva, quando ela demonizou e desprezou o ensino das doutrinas substituindo-a por uma abordagem focada em sentimentalismo, ela fez com que seu membros passassem a ter medo de serem expostos ao mundo exterior. Até mesmo entre missionários! Quantos deles mesmo na Jocum só participavam de eventos junto a outros cristãos? Alguns passavam semanas sem encontrar um não cristão para conversar. E só o faziam quando estavam em superioridade numérica.
Quando o mundo vê tantos cristãos expondo uma fé sem fundamentos, eles passam a achar que não existe fundamento para a nossa fé. O pior é que muitos de nós cremos nisso.
Como podemos cumprir a grande comissão se ficarmos hermeticamente fechados em nossas comunidades? Como poderemos ser sal da terra e luz do mundo se temos medo de conversar com as outras pessoas? Será que não é momento de voltarmos para um cristianismo que envolva também a mente no processo de adoração?
Uma característica marcante entre as religiões falsas é exatamente essa proibição de se ler publicações que sejam contrárias à fé esposada. As testemunhas de Jeová são famosas por isso. Dificilmente lêem livros de autores que atacam a Torre de Vigia e suas crenças. O perigo é quando nós também agimos assim. Agimos com medo de algo que não devemos ter medo.
É por isso que a teologia, a apologética e o evangelismo precisam ser ensinados na nossa igreja. A teologia nos permite conhecer a nossa fé, conhecer seus fundamentos e suas implicações. A apologética nos permite aprender a defendê-la e compará-la com outras religiões e o evangelismo nos permite apresentar essa fé para o mundo. Esse tríplice fundamento precisa estar disponível para todo cristão em todas as igrejas. Sempre teremos aqueles que irão brilhar nessa área, graças aos dons que o Espírito Santo dá a cada um de nós, mas pelo menos o básico precisa estar disponível para todos.
O cristianismo bíblico não se apresenta hermeticamente fechado dentro de uma comunidade estéril e segura, aguardando que as pessoas caiam de para-quedas em nosso colo. Ele é uma fé racional, histórica, que representa o mundo como ele realmente é, que pode competir no mercado de idéia com a robustez dos grandes teólogos e filósofos que contribuíram com o seu ensino por dois mil anos e tem por fundamento a revelação especial daquele que criou todo o universo.
Do que temos medo?
Enquanto tivermos medo de engajar nossa mente no processo de adoração à Deus e da pregação do evangelho, medo de estarmos prontos para seguir 1 Pedro 3:15, medo do mundo e acharmos que nosso lugar é fechado dentro de uma Tupperware, continuaremos a alimentar no mundo a ilusão de uma fé cega. E milhões caminham para o inferno com essa ilusão.
Não tenha medo. Estude, aprenda, se prepare. Seja um bom embaixador de Cristo, apresentando o cristianismo de forma elegante, amigável e atrativa. Só depende de nós.
Só depende de você.

Nenhum comentário:

Nas escrituras, tirar os sapatos tem um significado muito especial. Quando Moisés teve seu primeiro confronto com Deus, Ele disse para que ele tirasse seus sapatos porque ele estava em terra santa. Jesus caminhou descalço para o Calvário. Na cultura daquele tempo, estar descalço era o sinal que você era um escravo. Um escravo não tinha direitos. Jesus nos deu o exemplo supremo de renunciar tudo por um grande objetivo.
Loren Cunningham Making Jesus Lord / Marc 8:34,35

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...